Escola Senhor do Bonfim – Pastoral da Mulher – espaço de conquista para as mulheres marginalizadas

março 3, 2010

Auto-organização e direito das mulheres
Juazeiro – BA

Juazeiro é uma encruzilhada de passagens. Durante muito tempo chegavam à cidade muitas pessoas de todo o Nordeste, a pé, para esperar o vapor que as levaria até Januária, em Minas Gerais, e dali seguiam, pela Central do Brasil, para São Paulo. Isso propiciou o aparecimento de uma legião de mulheres, muitas vezes abandonadas, que encontraram na prostituição a única forma de sobrevivência. Esta gama de necessidade, de sobrevivência, de abandono, continua até hoje gerando exclusão, sofrimento e discriminação.

Em 1963, a Diocese de Juazeiro, recém-instalada, assume o desafio de dar atendimento às mulheres marginalizadas. O trabalho é desenvolvido por um grupo de voluntárias sensíveis à realidade de exclusão na qual viviam as mulheres. As atividades começam em um pequeno espaço, que recebeu o nome de Escola Profissional São José. Com o passar do tempo, o trabalho foi se expandindo e sentiu-se a necessidade de um espaço maior. Em 1978, foi inaugurada a Escola Senhor do Bonfim, substituindo a Escola Profissional São José.  Em 1979, este trabalho passa ser parte integrante das ações da Diocese: estava criada a Pastoral da Mulher.

Esse período coincide com a construção da barragem de Sobradinho, época conhecida pelo povo e movimentos sociais da região como de grande injustiça social, quando inúmeras famílias foram desalojadas de suas terras de uma forma dramática. A prostituição de mulheres e jovens aumentou sensivelmente neste período, já que a afluência de trabalhadores foi muito grande.

A Escola Senhor do Bonfim – Pastoral da Mulher – sempre desenvolveu seu trabalho na perspectiva da solidariedade, da construção de formas de auto-sustentação para as mulheres marginalizadas, do respeito aos direitos das mulheres, da saúde e da autoestima, promovendo a humanização da realidade dessas mulheres e gerando um processo de transformação social e político.

Atualmente, 250 mulheres são atendidas em diferentes estágios de acompanhamento.   Das mulheres que participam da Escola Senhor do Bonfim 74,4% estão com idade entre 21 e 65 anos, destacando-se também um número expressivo de adolescentes com idade entre 14 e 17 anos (a Escola não atende adolescentes), em sua maioria vítimas de violência física e abuso sexual em casa ou na rua. Em pesquisa realizada com mulheres em situação de prostituição em Juazeiro, apenas 7,7% das entrevistadas têm o Ensino Médio completo, sendo que a grande maioria é composta por mulheres não alfabetizadas, que não tiveram, pelos mais diferentes motivos, acesso à escolaridade. No atendimento feito diariamente a estas mulheres na casa da Pastoral da Mulher, evidencia-se que a grande maioria é negra ou parda.

A metodologia do trabalho desenvolvido é a visita a 7 bairros da cidade, em locais onde as mulheres se prostituem: 24 bares. Nestas visitas se estabelece um conhecimento de ambas as partes e se estimula a confiança nas agentes. Daí pode surgir o interesse das mulheres pelo trabalho desenvolvido. Começando a freqüência na sede, a mulher pode participar da alfabetização, pode escolher entre diferentes atendimentos e cursos: capacitações, (cabeleireiro, culinária, artesanato,) oficinas, palestras informativas, atendimento social, atendimento psicológico, encaminhamento médico e jurídico, apoio à geração de renda.

As mulheres participam também da Rede Mulher que existe na região, expondo os produtos e serviços que fazem, participando ativamente de manifestações, comemorações e debates.

Para um trabalho tão amplo são necessárias diferentes parcerias: Universidade Federal do Vale do São Francisco – UNIVASF; Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC); Centro de Informação em DST/HIV/AIDS; SENAC; Secretaria de Trabalho e Ação Social; Núcleo de Prática Jurídica (pertencente à Universidade Estadual da Bahia); Drº Theogenes (médico infectologista da rede particular); Programa Sentinela; Centro de Referência da Assistência Social; Participação no Conselho de Defesa do Direito da Mulher; Comitê de Mortalidade Materna, entre outros.

Entre as mulheres acompanhadas há um consenso quanto aos resultados conseguidos durante todos estes anos:

  • Melhoria da autoestima e autonomia das mulheres;
  • Melhoria na relação com os filhos, familiares  e contexto;
  • Melhoria no cuidado com o corpo e a saúde integral;
  • Maior conscientização e participação em outros espaços sociais;
  • Filhos inseridos nas escolas e participando dos programas federais e de outras ONGs;
  • Inserção de algumas mulheres no trabalho formal (mesmo que ainda seja avaliado como poucas mulheres, é significativo);
  • Mulheres regressaram à escola sendo alfabetizadas e, algumas, concluindo seus estudos;
  • Existem mulheres que deixaram a prostituição e que hoje são multiplicadoras,  colaborando com o processo das outras mulheres;
    Implantação de um espaço de produção e comercialização na linha da ECOSOL;

Grandes desafios: 

  • Superar o analfabetismo, que ainda é significativo;
  • Superar a violência domestica e no ambiente de trabalho;
  • Superar a pobreza (muitas das mulheres atendidas têm renda menor que 100 reais por mês);
  • Superar o isolamento do grupo, devido ao próprio estigma sofrido;
  • Implantar a rede de consumo solidário na região;

Esperanças das mulheres

 “Alcançar meus objetivos e ter uma profissão para ajudar as pessoas”;
“Aprender a ler e a escrever na Pastoral da Mulher”;
“Que as mulheres estudem e procurem alternativas fora da prostituição”;
“Esperança de conseguir um emprego”;
“Que a prostituição acabe”;
“Que as mulheres freqüentem a Pastoral e que aprendam com os cursos oferecidos”;
“Que lutemos com garra contra a prostituição”;
“Que as mulheres se organizem e que tenham outras oportunidades”;
“Que as mulheres não sejam humilhadas”.